
Estamos diante de mais uma visita da hipocrisia nacional, e
especialmente, da hipocrisia midiática. Para os donos e para os
profissionais da imprensa nacional, não há surpresa alguma, não há
novidade alguma no que a jornalista Miriam Dutra contou em duas
entrevistas - uma à revista BrazilcomZ, outra à jornalista Monica
Bérgamo, na Folha de S. Paulo - sobre seu relacionamento com o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ao longo dos últimos 30 anos
este foi o maior segredo de polichinelo de Brasília, na elitista
colmeia que reúne o jornalismo e a política. Ali fui também uma abelha
importante por muitos anos, até ser expurgada por razões de não vêm ao
caso aqui. Na colmeia, todos sempre souberam e muitos testemunharam
tudo isso que agora surge como notícia e revelação. Agora a mídia trata
do assunto não apenas porque Miriam falou mas também porque os fatos, de
tão velhos, não podem mais morder os envolvidos, ou talvez porque o
ex-presidente já entrou para o Olimpo histórico, onde se pensa que nada
mais pode atingi-lo.
Ao longo dos últimos 30 anos, o romance, o filho e o exílio bem
remunerado de Miriam foram ignorados pela mídia porque pertenceriam ao
domínio da vida privada, embora em algum momento tenha se tornado uma
questão política. Pessoalmente, defendo com fervor o respeito à
privacidade das pessoas públicas, exceto quando há um tangenciamento
discutível com o interesse público.
Não há um só jornalista que tenha atuado em Brasília nas últimas
décadas, ou mesmo fora da capital, mas em sintonia com a política
nacional, que não tenha acompanhado ou sabido dos fatos que Miriam
narrou agora. Com exceção, talvez, da história de dois abortos,
questão que ela só revelou às amigas mais íntimas ao longo destes anos.
Ser bem informado em Brasília é também saber daquilo que não vira
informação. A vida de Miriam e os desdobramentos do caso. ao longo dos
anos, sempre foram acompanhados com interesse pela imprensa, não para
produzir notícia mas para o controle da informação, digamos assim.
No mais, fomos todos cúmplices, assim como ela própria viveu tudo
isso porque, como disse, porque se permitiu. Nunca ninguém sequer
cogitou, em nenhuma redação de Brasília, de escrever sobre o assunto.
Nem os chefes e muito menos os repórteres. Nunca se ignorou que
Fernando Lemos, então marido da irmã de Miriam, fosse o encarregado da
parte financeira do problema. Ela tinha muitos e gordos contratos pela
Esplanada afora na era FHC. Ele já se foi mas a morte não interdita a
verdade. Nunca se ignorou que a TV Globo mantinha Mirim contratada
mas não a pautava. Até há dois anos atrás, quando veio à baila a
história do DNA com afirmação em contrário, Thomaz Dutra era por todos,
inclusive pelo próprio, tido como filho do ex-presidente. Nunca se
ignorou que dona Ruth Cardoso, em vida, aborreceu-se tanto com a
historia que um reconhecimento, enquanto ela vivesse, tornou-se
inviável.
Quando a revista “Caros Amigos” fez uma matéria sobre o assunto, há
alguns anos, talvez uns dez ou doze, a reação da grande mídia foi um
silêncio obsequioso.
Então não me venham, caros colegas, com estes ares de novidade.
Miriam deve ter suas razões para falar agora, e sejam quais forem, é um direito dela. O ex-presidente falará se quiser.
Aos brasileiros hoje divididos pelo conflito político, a história
apenas confirma a opção preferencial da grande mídia pelo PSDB. Aos
moralistas de plantão, reitera que o método de resolver problemas
pessoais da elite política sempre foi o mesmo: passando pelo Estado ou
pelas conexões empresariais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário